sexta-feira, 30 de junho de 2017

O Auto do Reino do Sol - Ariano Suassuna

O Auto do Reino do Sol – de Ariano Suassuna


A Companhia de Teatro Barca dos Corações Partidos faz homenagem ao “poeta do sertão”.


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A seca bebeu a chuva. Me alembrei de como é molhar o bico depois de tanta sede. Eu quebro até o pote. E que saudade de minha gente. A arte cheia de brasilidade surge nos palcos como um horizonte ensanguentado. O Pensamento voa. Poeta navega contra a correnteza. É preciso ter cuidado com essa gente...Lá pro Auto do Reino do Sol de Ariano Suassuna tem amor feito vento que dura enquanto passa. Repente que dói amor com dor. Briga de família. Briga de faca. Sangue na carne. Sobrenomes rivais. Tiro pro alto. Faca no bucho. Grito noturno. O amor uivando sobre o corpo do morto amado. O germe no ventre. Os jagunços atrás das gentes...ai Nossa Senhora Aparecida!! Isso não acaba nunca!!! É quixotesca a trama da vida pela estrada a fora até bem lá da cativante Paraíba. E, pra chegar lá na terra encantada de Taperoá é preciso encontrar o caminho da pedra do sapato e que gente avoada passa duas vezes por lá e vai pro rumo contrário. Impressão danada de a gente estar sempre perdido nesse mundão doido de “autos” e baixos, farsas e disfarces. Cordéis, cantigas, encanto e beleza, trapalhada circense, o espetáculo dá aquela sensação boa de certeza de céu e esperança de chão. O circo se arma em mim como uma lona de estrelas iluminando a leitura da vida, trazendo um pouco de graça no que é tão mais sinistro. Ah, e fazia tempo eu não olhava pro céu e via estrelas em formas de borboletas. É que aqui na cidade grande a gente vai deixando de olhar nos olhos do outro. A secura de beleza dos olhos bebeu na mão de Suassuna através desse grupo de teatro muito do malabares. O circo acampa estrada. O riso acompanha o choro. A brigalhada toda é um despiste só pra gente armar o circo! E soltar repentes como fossem tiros. Tudo contrasta na abóboda deste céu-circo-palco-vida estrelado de regionalidade. Eu chego! Ora se não chego em Taperoá. Lugar inventado e encantado de todos nós. Peguei carona pro caminho de volta se fugidos pouco importa! Que confusão sempre vem atrás mesmo! Mas a gente se dorme, pode ser que volte a sonhar. E o espetáculo foi um sonho! E o que não é a vida senão um sonho? Poesia, música, circo, literatura cheia de nossas cores e tons, encanto, canto, magia e um colorido que foi pra aquarelar os olhos da gente já tão ressequidos de tempos de tanta matança, vingança, traição, pó e cinzas. Deu, pois, vontade de cantar a vida do jeitinho que ela brota por entre as reentrâncias da terra sob esta lona constelada de signos e significados. O circo que é armado no palco parece até a vida gente, acolhe um mundo de gente que traz mais mundo e meio de confusão, mas a tenda segue sua sina cigana sultana de fazer jeito de a vida sorrir. Ah..andar estrada de chão batido de histórias no seco da solidão que essa bem conheço e me acompanha feito essa lua grávida no céu. A soturna sisudez dos vales veste sua capa de cinzentos sentimentos. Afiam-se em duelos contrastantes: de um lado, a rudeza áspera dos acontecimentos do destino e de outro, o lado brincante Rocinante da vida. A trupe com seus tenores cantam ventos nos moinhos de Quixote. E, de repente, uma Dulcinéia metida nesse bando vira uma Maria bonita com a sanfona nos braços! Eu que não sou besta dei meia volta em direção ao sol que ele me chama e arde no reino de minha cigana e jagunçada vida.


Direção de Luiz Carlos Vasconcelos
Texto: Bráulio Tavares
Música: Chico César, Beto Lemos e Alfredo Del Penho
Idealização e Direção de Produção: Andrea Alves
Com a Cia. Barca dos Corações Partidos: Adrén Alves, Alfredo Del Penho, Beto Lemos, Fábio Enriquez, Eduardo Rios, Renato Luciano e Ricca Barros.
*imagens retiradas na internet



A Estrela Sobe

A Estrela Sobe
No Teatro de Arena SESC Copacabana
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O amor de Leniza Mayer era pela vida, pela liberdade e as suas possibilidades. A peça “A estrela sobe” revela as intrincadas escolhas de um ser indócil que transita pela vida como música que marca um tempo de abrir carreiras em seu sentido mais claro – abrir caminhos a uma geração. Leniza encontra Mário, este lhe apresenta a Porto, diretor da Radio, que a coloca como cantora junto com Dulce com quem também se relaciona e logo moram juntas. “A Estrela sobe” me deu a impressão clara de que nessa sociedade capitalista a vida é vendida-comprada, e tem como mote sempre o lucro, a vida é mercadoria – matéria-prima do capitalismo, mesmo que o seja para tentar realizar sonhos, inatos a todos nós humanos. Nós não passamos de mercadorias, vendáveis, vendidas no escambo do mundo, em nossos trabalhos, empregos, profissões das mais variadas formas de sobrevivência num país onde a vida vale cada vez menos. Através de mão-de-obra barata que no final sai é caro!! Pois o corpo é, além de matéria –prima, nossa propriedade privada. Somos despossuídos de nossa própria terra. Acabando com todos os recursos que possuímos para alcançar os objetivos. E que meios utilizamos? Até onde? O que somos capazes de fazer? A humanidade em Leniza se agita na areia movediça da sociedade e suas vigas. A dialética se mostra. Desapropriados de nosso produto. A alienação nos consome. Poder e dinheiro cantam de galo e quem não negocia com esses deuses comem migalhas e mesmo quem negocia farelo come. Leniza vivencia uma época de romantismo onde tudo é pílula dourada, o roteiro é dado por um amigo de família que a incentiva a cantar e ficar famosa. Leniza nesse labirinto não encontra saída no meio das relações de poder fincada na raiz capitalista. Ou dá ou desce! Mas A estrela Sobe, ainda que descendo na angustia de seus sonhos, anseios e necessidades, Leniza brilha pelo seu modo de enfrentar a vida e encarar suas próprias escolhas. De família de classe baixa, Leniza sobe muito mais pela sua descida e entrega ao mundo de si mesma do que pela suposta mobilidade social e econômica que promete os personagens do cenário capitalista e dos degraus escorregadios deste sistema. A arte não fica de fora. Está metida até bagos na lama movediça que move a roda. Tudo parece uma cilada. Impressão de a vida ser mesmo um blefe, uma armadilha, uma trama política corrompida pelos genes. Tudo o que brilha na peça à princípio parece ouro, no entanto, a meu ver, a humanidade de Leniza cintila! Brilha e é fortuna da história da música e das artes. Reflito imediatamente contemplando o desespero de Leniza : quanto já prostituímos o outro em nossas ganâncias roubando, portanto, sua dignidade. A sociedade burguesa impõe isso com maestria nas relações sociais, amorosas, trabalhistas, políticas etc. Degrada cada vez mais nossa humanidade. Realimenta nosso corrupto modo de pensar, de sentir e de agir no mundo. E o que fazemos é reproduzir com mais força essa engrenagem do capital. Sobrevivência é o que nos impulsiona primeiramente a vender a vida como fossemos putas em Amsterdã. Não! Aqui mesmo em qualquer encruzilhada, em qualquer meio-fio, pedintes de sobrevida. Ou implorando aquilo que sequer nos pertence – somos violados pelo que essa ordem nos impõe – ideologia! Tive a impressão de os personagens transitando no teatro de arena representava ali a minha vida como numa rinha de galos com cristas em carne viva ou briga de cães aos pedaços espalhados pela arena da vida. A presença do pai, fundamental na vida de Leniza como uma voz que a direciona além-túmulo contando o tempo, acompanhando os passos de Leniza, em contagem regressiva... ela já tão distante do chão de si mesma some na névoa... uma mãe com forte senso de justeza, sofrida e mesmo cansada apoiava Leniza em sua vida e escolhas. Desde sempre é impressionante os efeitos do dinheiro e do poder sobre os seres humanos, sobre o sexo. Céus e terra podem se entregar a esses dois tesouros. E onde? Onde o o amor? Que espaço tem o diferente nesta arena sem saída. Leniza corre, dá voltas, busca, chama, pede, briga, luta, chora, ama, canta. Leniza canta a vida em sua totalidade. Ela é o espaço para o amor, para a vida, e todas as intrincadas dúvidas e incertezas. 
Leniza erupciona questões como liberdade, o papel da mulher na sociedade, e por isso mesmo lança luzes sobre o papel do homem, a família e sua nova configuração, moradia, arte e seus espaços, Leniza mostra a morte entre tantas outras questões importantes que até hoje pinicam o viver e mundo da gente. 
Dentre tantos amores e decepções, Leniza engravida e aborta com o tal de talo de mamona. Quantos sonhos abortamos pois durante a – amarga e triste vida?! Com talos venenosos enfiados em nós como fosse a pior forma de tortura – tripalium – trabalho. Quantos sonhos o trabalho fundamentado neste esquema capitalista abortamos ao longo dos anos? A peça assim como a vida circula e esbarra nas gentes , nas questões de outrora que hoje ainda enfrentamos. O teatro de arena tem a possibilidade de dizer algo mais, pois os atores circulam entre nós bem de pertinho dando a impressão que nós somos co-atores, nos situam e nos representam cada um em seu papel e função dentro das diversas relações pelas quais nós também transitamos. A peça é tocante, marcante, reveladora. 
Enquanto descemos, a convite de Leniza, nos porões e sombrias câmaras da vida, enquanto desce a lágrima no rosto da plateia ou o espanto de tamanha coragem e resistência, enquanto descemos em sentimentos de nosso submundo, ela, Leniza, brilha e sobe...sobe...sobe...sim, “A estrela sobe”!


Adaptação de Marcus Alvisi e direção de João Batista. No elenco Ivone Hoffmann, Andressa Bonatto, Leandro Caris, Douglas Amaral, Antonio Alves, Daniel Dalcin, Gedivan Albuquerque e Bel Machado.
*imagens retiradas da internet


terça-feira, 20 de junho de 2017

Genet - Os Anjos Devem Morrer

Genet - Os anjos devem Morrer - Os Ciclomáticos

Genet – Os anjos devem morrer
Autoria e Direção: Ribamar Ribeiro
Com Os Ciclomáticos Companhia de Teatro
No Teatro Café Pequeno (o espaço não poderia ser outro para um cabaré de Genet)


imagens tiradas da internet
Genet – Os anjos devem morrer
Autoria e Direção: Ribamar Ribeiro
Com Os Ciclomáticos Companhia de Teatro

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Não dá pra acreditar que Genet desceu como um anjo aos palcos do rio com esse grupo tão especial e brilhante de atores. O elenco é composto por  Carla Meirelles, Getúlio Nascimento, Júlio César Ferreira, Mauro Carvalho e Renato Neves. Eu sou dona desse cabaré !  Madame – a dona do cabaré , Divina - a travesti , Mignon o cafetão, Mimosa III – a criada, Nossa Senhora das Flores – o andrógino e Genet – o autor. Cada um com suas peculiaridades que nem vou dizer aqui – vale a pena ir ver!É uma ficção biográfica, suspense meio trágico, e vil sobre o universo de Jean Genet. Madame  dona do cabaré, não tem sexo, madame não tem cor, madame não tem idade. Os personagens são como anjos. E, sim! os anjos devem morrer.
A escolha do Café Pequeno foi  ideia bárbara – transformando-o num cabaré de tão humana categoria. Figurino, iluminação, cenografia, música, arte, tudo de uma excelência ímpar. Ribamar ribeiro dirige esse cabaré-teatro-vida-palco, fico pensando meu deus, como pode tanto bom gosto que dá gosto ser plateia desses espetaculares. Bom gosto é a escolha de cada texto. Dessa vez foi o autor Genet  - OS ANJOS DEVEM MORRER, fico até sem rebolado pra falar desse grupo, mas a impressão que tenho é que a vida está bem ali gritando sua vez diante de mim,  exposta no palco e eu me sinto muito mais tão humana e compreendida. Eu saio do espetáculo e fico com aquela vontade de viver mais! Além disso, a força e delicadeza, a energia e a beleza, a densidade e leveza com que eles trazem Genet para o público é de chorar e rir. Assusta tanta intensidade e completude. Eles dançam, cantam, são performáticos mas não é de qualquer maneira, tem um balé, traços de perfeição que encantam qualquer um de qualquer idade. Eles tem um ritmo, um compasso, uma linguagem ímpar, especifica, uma marca digital. Inconfundível.  Eles são muito especiais. Um olhar diferenciado sobre a vida, o teatro, a arte, a linguagem. Imagina só esse encontro, essa mistura de Genet e Ciclomáticos!? Imperdível. Eu diante de tanta Arte fico sem palavras. Impressionada. Eles são como anjos!

Por Alessandra Espínola

quarta-feira, 14 de junho de 2017

Procura-se

Espetáculo 'Procura-se" - Quinta Companhia de Teatro
Teatro Leblon - Sala Fernanda Montenegro
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foto retirada da internet

A Quinta Companhia de Teatro apresenta a peça “Procura-se”, no Teatro Leblon, sala Marília Pera, onde sete atores interpretam situações vivenciais das pessoas da cidade grande em busca de preencher seus vazios afetivos, amorosos e existências. Eles representam o fundo das relações esvaziadas de sentidos e sua caótica configuração. Essa odisseia traz mundos de mal entendidos intensificando ainda mais o vazio e a ânsia por complementariedade através do outro. A peça revela nossa desatenção e falta de observação em relação a própria vida e ao cotidiano, nosso de cada dia,  nossa capacidade desastrosa de ilusão e deslimite. As situações de fundo onde os atores mergulham ressaltam nosso plano individual de ansiedade, solidão, silêncio, ausências, fragmentação, descompreensão, e fuga. Trata-se de nossos vícios, das nossas manias e incapacidades de: observar e ouvir atentamente a voz interior e o outro. Somos incapazes de desligar a televisão ou o vídeo game, ou cessar o borbulhar dos desejos instintivos para realmente saber o que diz o mundo ao redor e o mundo interior, o outro e, sobretudo o que tanto grita a agitação de cada um. As pessoas não conseguem ficar consigo mesmas nem elaborar seus vazios. Uma odisseia de atropelos que mais parece a busca desenfreada de suprir as demandas internas e ter como único objetivo de vida destruir a própria solidão e vazio. Tarefa impossível, ao que parece. Personagens representam o óbvio,  cada indivíduo foge constantemente de si mesmo  em busca do outro que também é repelido pelo próximo passo de insatisfação e vazio. É um movimento cíclico que nos leva a refletir sobre a condição da caverna, tentativas de busca e preenchimento do mundo interior tão vazio, escuro, frio e fragmentado, ao mesmo tempo em que há a fuga dessa condição somos atraídos pra isso, e essa inquietação constante se processa e nos constitui. Não se consegue dar conta de tantas lacunas! A busca no outro se torna uma espécie de solução ou satisfação porque não  compreendemos nem aceitamos que somos seres vazios e inacabados. Há uma procura pelas partes do todo. A partir daí, percebe-se que somos seres contingentes de circunstâncias, humores, situações negando a máxima de conhecer a si mesmo. É o nada que está em nosso interior!  No entanto, nessa nossa sociedade capitalista somos impedidos todo tempo de encarar o interior da caverna, de olhar para nossos vazios mais remotos e contemplar na parede da vida nossa escuridão, nessa cegueira inconsciente passa-se maior parte do tempo de vida idealizando sobre o outro as nossas ilusões e nossas sombras. A peça traz luz a nossa falta de consciência sobre o outro, sobre as relações e sobre nós mesmos. A peça “Procura-se” trata do aniquilamento e da procura do próprio EU.


Por Alessandra Espínola

quinta-feira, 1 de junho de 2017

Antígona - de Sófocles - Teatro de Rodas

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Sobre a peça Antígona - de Sófocles

                                                        *fotografia do grupo Teatro de Roda

Subo as escadas do Teatro Dulcina e sou recepcionada por dois jovens belíssimos vestidos de terno escuro, me sorriem sutilmente dando boas vindas. Tenho a impressão de serem dois fantasmas vagando pelo teatro, esses fantasmas de família que vem recontar sua história de um tempo muito pretérito, mas eles eram de verdade, eu mesma vi, depois tirando meus olhos meio tímidos-desconfiados, me estranho perguntando a mim mesma: “o que eles estão fazendo ali? Parecem fantasmas!”, meu olhar vaga pela escadaria de tapete vermelho, subo como uma convidada para algo que talvez eu não saia de lá intacta. Ou seja, talvez não saia do mesmo modo que entrei.
Sento na poltrona em frente ao palco e depois de três vezes tocada a sineta, os atores-personagens entram em cena vindo lá de trás (de um tempo antigo), com suas histórias que também são as nossas, saindo do corredor lateral direito do espaço da plateia (significando que os personagens são tirados do povo, da realidade concreta da vida de todos nós) e caminham subindo até ao palco, eles me situam na cidade do Rio de Janeiro (embora a história tivesse acontecido lá pelas bandas gregas, em Tebas. Num tempo muito antes de Cristo. Os personagens amalgamam o tempo passado ao presente. Me encontro entre o mito e a realidade. Antígona! Antígona com todos os seus antagonismos se apresenta. Clássica e contemporânea sim.
Não há cenário requintado, nem todo aquele arsenal quase que televiso, não há música nem de fundo, não há brilho. Luz e sombra, apenas. Antígona lança os contrastes. Ternos escuros e manto branco. Gravata vermelha no pescoço. O contraste se anuncia visivelmente! Antígona desfere suas analogias no palco através desses jovens atores. Ou seria o contrário?
No chão do palco ainda, vejo fitas de sinalização, aquelas que encontro na rua sinalizando reformas, obras, próprias de chamar a atenção, resistente e durável ao tempo como o é a história de Antígona. Neste caso, traz uma compreensão universal para todas as idades e para qualquer lugar do mundo. Essa fita sinaliza dentro do contexto um piso escorregadio das tramas humanas inserida em sua amplitude social e cultural. Antígona é universal e atemporal. E chama atenção do público para suas características humanas. No teatro cabe o mundo!
O que me chama atenção é a forma como Antígona foi interpretada pelos atores do TEATRO DE RODA. Sendo um ator vários personagens. Valeu aqui o dito “onde menos é mais”. Valido lembrar que cada um de nós também pode viver vários dramas pela vida afora, ocupar lugares, posicionamentos, classe social, escolhas, cumprir papéis variados durante a vida. 
Durante a peça não dá tempo de fugir do exposto: estamos entremeados de dramas e somos essa realidade de desesperos. Cada personagem revela seu drama, seu espaço que ocupa nas relações, nos grupos sociais, na família, na cidade, no mundo, na vida, enfim! Antígona mostra seu lado “samurai”, ou seja, ninguém escapa do destino. Ninguém escapa das leis, ninguém escapa de suas escolhas, de suas consequências, de seu povo, das regras, da sua linhagem, da cultura, e de seu estado mais humano de ser. Atenas se espalha no palco e nos permite visualizar o que continua até hoje em dia, vinganças de família, de geração a geração que desemboca em morte e tragédia. Brigas infinitas pelo poder. O que parece de um lado o bem e de outro o mal, dessa vez a peça mostra que estamos todos transitando de um lado e de outro, como a roda da vida que gira no palco, revelando a totalidade do ser humano. Heróis e tiranos. Bons e maus. Vítimas e algozes. Cada um vai escolher o seu destino. E o mais difícil: aprender e assumir a responsabilidade de suas escolhas. 
De imediato, tenho a impressão de estarmos vendo, no palco, algo parecido ocorrendo no Brasil, onde os personagens se mostram nossa gente. E tem mais: tudo se repete no palco da “justiça”. O povo, o Estado, a religião, a mídia, a história pretérita de uma cidade, as crenças, as classes, o poder. e a cegueira de cada um que caminha para seus abismos. O caos se estabelece. Todos os que estavam na sombra sendo lançados a luz do palco. Assim como na nossa realidade atual. Esse traje social marcado pelo terno escuro e pelo manto branco traz o contraste das vontades individuais. Cidadãos, seres humanos trazem suas crenças, sentimentos, emoções, posições sociais e relação de poder como sua prática social. E uma legislação que estrangula a todos como a gravata vermelha das paixões humanas cujo poder se torna muitas vezes um desejo insano, tirano e cruel. 
Creonte, interpretado por aquele moleque, aquele guri que se agiganta em sua mandíbula voraz, em sua voz de fazer suspiro parar. Em sua fala de quase massacre me tomou de surpresa e pensei: a juventude desse país reclama sua vida antepassada e uma vida futura !
Ilusão acreditar que só Antígona sofre; que só a mãe sofre; que só o povo sofre; que só Hémon - noivo de Antígona e filho de Creonte sofre. Ilusão acreditar que os guardas não sofrem; que Creonte não sofre. Creonte em seu despotismo, em poderio absoluto, em sua tirania impensada sofre igualmente e faz sofrer. Vivencia seu drama existencial. Assim gira a roda desse teatro. Onde os personagens ora um, ora outro em suas razões, crenças, necessidades, e toda trama de falas saem das sombras, explodindo de seu negror aparecem e reaparecem como que levantando da sepultura, a vida exige tributos, ritos, justiça! A peça coloca em questão o que é justo ou injusto, a governabilidade, os limites, o castigo, o sobrenatural, o místico, por exemplo, quando Tirésias entra adaptado ao culto brasileiro meio afro meio grego. O mito evoca a prática social, e a relação estado-religião. Palmas para um espírito que se apresenta a profetizar sobre Tebas. Quando há injustiça, a desgraça é certa!
A peça também emerge a questão dos antepassados, do respeito e reverência à origem ainda que para isso tenha que se desafiar um governo, dos processos humanos, dos ritos, e inclusive do modo como a cultura, uma pátria ainda trata não somente seus mortos, mas seus filhos vivos!
E não deixo de ser surpreendida quando uma atriz pede que subam duas pessoas da plateia para segurar a corda que amarra Antígona e sua irmã num diálogo dramático. As cordas atentam para nossa relação de segurança ou dependência às leis, poder, política, cultura, religião, família como também é tudo isso que nos tensiona e limita na sociedade. A corda que como diz o dito “arrebenta do lado mais fraco” – o povo é quem mais sofre desde a antiguidade. Antígona não é texto antigo! Nada mais significativo que cordas a fim de nos mostrar que estamos todos entrelaçados com a angústia de todos os personagens. Temos uma ligação íntima com este drama, uma conexão humana com essa tragédia que também é nossa. Antígona merece atenção, os olhos não piscam mediante a busca desesperada de solucionar os antagonismos e conflitos humanos desde que o mundo é mundo. Antigona, incansável, representa a humanidade, relembra o imemorial, traz a luz tirando a venda dos olhos e nos re-vemos tanto a repetir os erros como a não desistir da experiência humana!

Um grande abraço,


Parabéns, TEATRO DE RODA!

O Inspetor Geral – de Nicolai Gogol

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O inspetor geral – de Nicolai Gogol

No Teatro Glauce Rocha
fotografia : paulo borges

Entro no teatro e já estão esperando no palco alguns atores vestidos de seus personagens em luz e ação, olhando para a plateia: a inspetora de escola, o chefe do hospital e o juiz!. Pra mim o personagem não precisa falar nada, quando diz tudo com seu olhar, expressividade viva que tudo comunica. A história russa se passa no século XIX, mas de uma atualidade brasileira cristalina, levantando questões como corrupção, fofoca/intriga/articulação, favores, as varias relações de poder, a má e corrompida gestão pública, paternalismo, mau-caratismo, fraudes, farsas, política, mentiras, omissão e/ou passividade do povo em relação à chafurda de intercorrências. O texto de Nicolai Gogol representa bem a bandalheira brasileira de modo cômico, caricato e irônico até. Cenário, música, iluminação e figurino colorido, representativo. Nada mais oportuno para o momento atual em que vivemos no país. Dei-me conta que o “jeitinho brasileiro’ anda mesmo por todo canto do mundo, o mau-caratismo vem a galope no palco cotidiano da vida. A pitada de romance mostra o seu tom hilário não fosse nojento proposto por um viés de puro interesse meio capitalista e muito rasteiro, daquele tipo “onde vou me dar melhor”, a esposa do prefeito da cidade se dando bem e caindo nos braços do inspetor impostor que também se engraça pro lado da filha toda recatada e do lar. Muito verossímil. Ética e moral é o que falta na trama humana permeando os estabelecimentos públicos e grupos sociais – do governo à família. A covardia e o modo ébrio nos espelha no todo. O instinto sobrepuja a razão muitas vezes, e, concomitante a ela os acontecimentos na peça são regados de muita trapalhada, confusão e situações grotescas, daí desembocam em riso solto devido ao tom satírico e ridículo que os personagens encarnam quando aprontam suas pilantragens típicas de uma sociedade sem escrúpulos.
A chegada do inspetor geral causa um alarde na cidade, sendo que este inspetor que chega é um impostor! Anunciado por um casal puxa saco proprietário de terra faz com que a cidade entre em quase colapso temendo que inspeção há de ser feita debaixo dos tapetes e das cortinas de veludo e por entre linhas da papelada das instituições. (Escola, hospitais, tribunais, presídios). O representante da cidade e o povo aceitam o oportunista como fosse o verdadeiro inspetor - sem o saberem, claro. Isso virá uma novela de tropeços e tramoias sem fim. A partir daí a trama carnavalesca discorre apoteótica e até patética e cínica de maneira quase fílmica pelo que eclode da criação teatral rica em plasticidade visual e narrativa. Saio do teatro com a certeza de que me meti em uma furada! Assim é como me sinto no país. Metida em uma grande trapalhada que não acaba mais e é difícil de sair. A peça traz o humor nas coisas absurdas e em cada personagem tem traje cômico o que tem sido trágico há anos.
Nessa peça, o grupo de teatro faz jus ao nome, assumindo o teatro contemporâneo rompendo a barreira publico e atores não só do ponto de vista de interação visual e gestual, mas também nas nossas parecenças e vivências existenciais. O texto é “russo” e o teor é brasileiríssimo!

fotografia : paulo borges

A Farra do Boi Bumbá - Os Ciclomáticos

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A Farra do Boi Bumbá - Os Ciclomáticos

Teatro Glauce Rocha
*imagens retiradas da internet


Eita farra boa do boi bumbá! Que essa foi uma das peças –espetáculos – musicais – festas das mais lindas que já assisti. Coisa feita pra criança que é pra adulto nem um perder. Os Ciclomáticos, essa trupe de teatro boa veio levantar a poeira do meu brasilzão bem no chão do meu coração. Uma terra encantada se abriu bem no meio do palco lá no teatro Glauce Rocha. Peça dirigida por Ribeiro Ribamar, trazendo temas como a seca e a fome, trabalho rural e reforma agrária. Figurino sensacional. Nem me contive quando comecei a ouvir aquelas cantigas todas com tudo que é instrumento que parece o corpo da gente falando de onde a gente veio e com tanto colorido de dar água nos olhos! Meu peito era o tambor na mão do cantador das coisas da vida do boi. Eu voltei criança pra vida. E senti que a menina que um dia fui ainda é dentro de mim feito corredeira de chuva que chove. E chovia naquele instrumento que a moça do vestido rendado mexia. Ah, a vida é toda folclore e minhas origens saltavam do chão ali na minha frente – uma gente portuguesa, indígena e africana toda cirandando dentro de mim. Um encontro maravilhoso e foi isso que me deu saudade e que mareou meus olhos de riso, minha boca cantava os encantamentos das festanças por esse mundo de meu deus. A história “Catarina e a língua do boi” recontada por esse grupo teatral me deixou de boca aberta, olhão arregalado, língua pra fora!
Nem conto que essa história foi uma confusão danada quando Catarina, grávida, tem desejo de comer língua de boi, mas não pensei que fosse pra tanto! Ela queria comer a língua do boi mais arretado e mais bonito da fazenda onde Chico trabalhava. E era aquele boi ali ó! Aquele ali do fazendeiro rico da região e o pai Chico vai lá e páh! Corta a língua do boi preferido do fazendeiro e leva pra buchuda da Catarina. Pronto, nem eu me aguentei de tanto rir! Catarina aponta pro alvo e foi um deus a sacudir todo mundo de rir. Chicão vai até o público e dana de encrencar com o suposto boi lá da plateia. Estava do meu ladinho o pai de uma menina, que acabou ficando sem a língua!!
Daí que o fazendeiro manda um mundaréu de gente procurar o boi e esses personagens são igualmente encantadores e cantadores e põe todo mundo a saltear emoção. A vida é uma festa folgueada. E... encontram o boi doente, sem língua, claro! Daí, são chamados curandeiros e aparece então a bruxa, meio pajé meio curandeira, xamânica, índia, bruxa, médica, é uma personagem linda que traz em seu feitio a figura da mulher e do amor por todas as criaturas do mundo! O bailado e as cantigas são ainda mais emocionantes, com a utilização de caxixis, zabumba, maraca, cordas, tambores, chocalho, flautim, pandeiros, apitos e tantos outros instrumentos que chamam a alegria na gente. Foi um espetáculo pra'lém de folclórico, reunindo as maravilhas das regiões do país – norte, nordeste, centro-oeste, sudeste e sul, intermediado de contos-cantos, eu tinha era vontade de entrar na roda e cirandar. Palmas não faltavam...Ê boi! E, no final de tudo, o fazendeiro perdoa o Pai Chico e Catarina pelo roubo do boi. A farra foi é boa! História popular cheia de hibridismo, humor e beleza! Cada região tem um nome pra essa história do bumbá. A peça trouxe as regiões brasileiras do bumba meu boi e até a cultura de outros países que vieram parar aqui constituindo a gente. "Vamos, meu boi!" O sumiço do boizinho deu o que falar e tramar, mas no final depois das encantarias e cantorias ele ressuscita e o povo todo volta a cantar e dançar, festejar a vida do boi, de toda a nossa gente!
Daí ele, o boi, surge no meio palco e foi uma farra só! A farra do boi bumbá ...Ê boi! Bumba meu boi bumbá!! Ah...Me deu foi uma vontade de voltar pro Norte!
Por Alessandra Espínola

O Auto do Reino do Sol - Ariano Suassuna

O Auto do Reino do Sol – de Ariano Suassuna A Companhia de Teatro Barca dos Corações Partidos faz homenagem ao “poeta do sertão”. ...