A Estrela Sobe
No Teatro de Arena SESC Copacabana
Impressões
O amor de Leniza Mayer era pela vida, pela liberdade e as suas possibilidades. A peça “A estrela sobe” revela as intrincadas escolhas de um ser indócil que transita pela vida como música que marca um tempo de abrir carreiras em seu sentido mais claro – abrir caminhos a uma geração. Leniza encontra Mário, este lhe apresenta a Porto, diretor da Radio, que a coloca como cantora junto com Dulce com quem também se relaciona e logo moram juntas. “A Estrela sobe” me deu a impressão clara de que nessa sociedade capitalista a vida é vendida-comprada, e tem como mote sempre o lucro, a vida é mercadoria – matéria-prima do capitalismo, mesmo que o seja para tentar realizar sonhos, inatos a todos nós humanos. Nós não passamos de mercadorias, vendáveis, vendidas no escambo do mundo, em nossos trabalhos, empregos, profissões das mais variadas formas de sobrevivência num país onde a vida vale cada vez menos. Através de mão-de-obra barata que no final sai é caro!! Pois o corpo é, além de matéria –prima, nossa propriedade privada. Somos despossuídos de nossa própria terra. Acabando com todos os recursos que possuímos para alcançar os objetivos. E que meios utilizamos? Até onde? O que somos capazes de fazer? A humanidade em Leniza se agita na areia movediça da sociedade e suas vigas. A dialética se mostra. Desapropriados de nosso produto. A alienação nos consome. Poder e dinheiro cantam de galo e quem não negocia com esses deuses comem migalhas e mesmo quem negocia farelo come. Leniza vivencia uma época de romantismo onde tudo é pílula dourada, o roteiro é dado por um amigo de família que a incentiva a cantar e ficar famosa. Leniza nesse labirinto não encontra saída no meio das relações de poder fincada na raiz capitalista. Ou dá ou desce! Mas A estrela Sobe, ainda que descendo na angustia de seus sonhos, anseios e necessidades, Leniza brilha pelo seu modo de enfrentar a vida e encarar suas próprias escolhas. De família de classe baixa, Leniza sobe muito mais pela sua descida e entrega ao mundo de si mesma do que pela suposta mobilidade social e econômica que promete os personagens do cenário capitalista e dos degraus escorregadios deste sistema. A arte não fica de fora. Está metida até bagos na lama movediça que move a roda. Tudo parece uma cilada. Impressão de a vida ser mesmo um blefe, uma armadilha, uma trama política corrompida pelos genes. Tudo o que brilha na peça à princípio parece ouro, no entanto, a meu ver, a humanidade de Leniza cintila! Brilha e é fortuna da história da música e das artes. Reflito imediatamente contemplando o desespero de Leniza : quanto já prostituímos o outro em nossas ganâncias roubando, portanto, sua dignidade. A sociedade burguesa impõe isso com maestria nas relações sociais, amorosas, trabalhistas, políticas etc. Degrada cada vez mais nossa humanidade. Realimenta nosso corrupto modo de pensar, de sentir e de agir no mundo. E o que fazemos é reproduzir com mais força essa engrenagem do capital. Sobrevivência é o que nos impulsiona primeiramente a vender a vida como fossemos putas em Amsterdã. Não! Aqui mesmo em qualquer encruzilhada, em qualquer meio-fio, pedintes de sobrevida. Ou implorando aquilo que sequer nos pertence – somos violados pelo que essa ordem nos impõe – ideologia! Tive a impressão de os personagens transitando no teatro de arena representava ali a minha vida como numa rinha de galos com cristas em carne viva ou briga de cães aos pedaços espalhados pela arena da vida. A presença do pai, fundamental na vida de Leniza como uma voz que a direciona além-túmulo contando o tempo, acompanhando os passos de Leniza, em contagem regressiva... ela já tão distante do chão de si mesma some na névoa... uma mãe com forte senso de justeza, sofrida e mesmo cansada apoiava Leniza em sua vida e escolhas. Desde sempre é impressionante os efeitos do dinheiro e do poder sobre os seres humanos, sobre o sexo. Céus e terra podem se entregar a esses dois tesouros. E onde? Onde o o amor? Que espaço tem o diferente nesta arena sem saída. Leniza corre, dá voltas, busca, chama, pede, briga, luta, chora, ama, canta. Leniza canta a vida em sua totalidade. Ela é o espaço para o amor, para a vida, e todas as intrincadas dúvidas e incertezas.
Leniza erupciona questões como liberdade, o papel da mulher na sociedade, e por isso mesmo lança luzes sobre o papel do homem, a família e sua nova configuração, moradia, arte e seus espaços, Leniza mostra a morte entre tantas outras questões importantes que até hoje pinicam o viver e mundo da gente.
Dentre tantos amores e decepções, Leniza engravida e aborta com o tal de talo de mamona. Quantos sonhos abortamos pois durante a – amarga e triste vida?! Com talos venenosos enfiados em nós como fosse a pior forma de tortura – tripalium – trabalho. Quantos sonhos o trabalho fundamentado neste esquema capitalista abortamos ao longo dos anos? A peça assim como a vida circula e esbarra nas gentes , nas questões de outrora que hoje ainda enfrentamos. O teatro de arena tem a possibilidade de dizer algo mais, pois os atores circulam entre nós bem de pertinho dando a impressão que nós somos co-atores, nos situam e nos representam cada um em seu papel e função dentro das diversas relações pelas quais nós também transitamos. A peça é tocante, marcante, reveladora.
Enquanto descemos, a convite de Leniza, nos porões e sombrias câmaras da vida, enquanto desce a lágrima no rosto da plateia ou o espanto de tamanha coragem e resistência, enquanto descemos em sentimentos de nosso submundo, ela, Leniza, brilha e sobe...sobe...sobe...sim, “A estrela sobe”!
Adaptação de Marcus Alvisi e direção de João Batista. No elenco Ivone Hoffmann, Andressa Bonatto, Leandro Caris, Douglas Amaral, Antonio Alves, Daniel Dalcin, Gedivan Albuquerque e Bel Machado.
*imagens retiradas da internet



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